versiones, versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Entrevista a José Carlos
Alves, com motivo da publicação do seu livro "Palavras em busca de um olhar" pela Editorial 100
(perguntas de DML)
1 - Palavras em busca de um olhar? ou de um ler? para que?
As palavras buscam sempre olhares atentos na
ânsia de serem lidas,
compreendidas e amadas, sem essa ambição seriam estéreis, mesmo que conservassem
a estética. Assumem a busca como um meio de agregar partes, na esperança de que
os todos se reagrupem e revelem as nuances da alma.
Insinuam razões mas, na maioria das vezes, apenas as intenções se afirmam,
na vontade, na esperança de quem não procura fins, somente respostas...
Não existe o óbvio, o para que, apenas o porque, o imperativo como opção, a
obrigação consciente de moldar as palavras a uma realidade que não as
comporta...
Escrever por necessidade, como uma terapia dos sentidos, a necessidade
cúmplice com o leitor, como se cada página fosse um puzzle à espera de uma
dose de coragem.
Cativar sem recurso a cores ou ilusões, usando o real para construir utopias
onde o tempo se torna familiar, na evocação de memórias perdidas, esquecidas.
Arriscar a incompreensão, a negação mas, não permitir que se tornem
estigmas, fantasmas fechados nos armários do nosso medo.
Talvez as use por instinto, talvez sejam o meu auto-projecto, não sei, por
isso, esta cruzada em busca de olhares que, saibam para que servem as
palavras que escrevo...
2 - A poesia como catarse? afirmação de um ego? ou textualização duma
inquietação indefinida?
A escrita como purificação, como forma de transformar o constante em
movimento, de desvendar emoções em realidades sentidas, cumpridas,
inventadas...
Encaro-a como um processo de revelação, de partilha que, não se preocupa em
afirmar personalidades, apenas em oferecer a essência de quem realiza o
desejo...
Só quem se questiona é capaz de descobrir a magia das coisas simples, só
quem divaga sem norte encontra caminhos que os mapas não revelam...
A escrita é um processo de transformação, evolutivo que, ao longo das etapas
vai limando as arestas da ignorância e permitindo a paz do reencontro com
aquilo que somos.
Quem é feliz não escreve, desfruta, inebria-se numa ego-profiláxia, distante
de tudo, rendido a momentos fugazes, eternizados em exercícios de
imaginação.
As palavras são inquietas, provocatórias, só assim estimulam a necessidade e
fazem do banal arte, como se fosse essa a sua condição...
A semântica nunca foi fiel ao significado mas, nunca esvaziou a escrita da
capacidade de inquietar o marasmo cómodo do permanente...
É como uma metamorfose em busca do supremo, do permanente que subtrai o
perene da equação do engenho.
A dúvida é o elo fraco da estrutura, intimida, manieta, talvez por isso os
poetas sejam sofredores.
Não se define o transcendente, limitamo-nos a sentir, a confiar na percepção
de que a escrita é acima de tudo, um processo irreversível e catártico.
3 - A poesia para realizar "diálogos" impossiveis ou para resolver problemas
não resolvidos na realidade?
Falaria de monólogos, a escrita é um processo solitário, egoísta que
transforma o silêncio em linguagem, como se comunicar fosse inato, inevitável...
Procura ser solução mas, argumenta sobre pressupostos e os problemas residem em
factos pouco sensiveis à criatividade das palavras.
Inovar a linguagem, como desafio, na subjectividade das intenções, na
certeza de que o estáctico apenas alimenta a ignorância do comodismo.
Uma estranha dicotomia desenvolve-se entre a realidade e a poesia, como se a
sua eficácia dependesse do nível de insucesso, dos erros, da fragilidade em
conter a angústia.
É feita de viagens intimistas, de fragmentos de vidas sonhadas nos espaços
que o presente permite e a saudade alimenta.
Concebo o dilema como via de sentido único, nesta impossibilidade de
resolver a realidade em parágrafos por medida...
É curiosa a constatação e pertinente a interrogação, porque será que a
poesia fala das lágrimas e esquece os sorrisos?
A legitima soberania de quem descobre palavras...
4 - A poesia do JC ao contrário das
palavras do prefácio, na minha opinião, é um fluir, um insistente rio de
palavras que luta contra o silêncio e a solidão. Que pensa o JC?
Sem pretender ser juíz em causa própria mas, sem abdicar do poder da
auto-análise, direi que a minha escrita é o reflexo de uma alma em
construcção permanente, embargada muitas vezes, pelo poder da realidade.
É feita de experiências, sonhos e muita paixão, só amando o que se faz, se
justifica a escolha quase suícida das palavras, da narração intimista de
instantes captados em quotidianos mastigados.
Só posso concordar com o termo fluir, é assim que escrevo, no imediato, sem
pesar ou ponderar, como se querer confinar a torrente fosse um acto de
insanidade.
Muitos dos silêncios e dos espaços que as páginas que escrevo permitem
descortinar, são diálogos profundos, feitos em surdina, em simbiose com o leitor,
mesmo quando o fio condutor se torna invisível aos analistas especializados em
dissecar livros.
Retomo a ideia de que escrever é um acto de solidão, nunca conheci um poeta
que escrevesse o contrário e em jeito de confissão, nos versos onde procuram
a alma gémea assumem-na com o desespero consciente que, a utopia exige.
Existem sempre duas facetas num poeta, a da arte que o justifica e a do ser
humano que, sabe que a vida não se restringe ao papel onde os sonhos se
gravam e perpetuam.
É difícil partilhar o pensamento de forma objectiva quando falamos de um
intimismo quase epidérmico, onde a razão é mera espectadora, sem direito a
voto...
Talvez o mais importante não seja o que pensa o JC mas, sim o que sente o
leitor quando se confronta com um universo transparente de emoções alheias
que, por mero acaso, podem ser as suas...
5 - Qual é a estética que persegue o poeta na poesia?
Quem busca a estética não é poeta mas, estilista, não se fazem esboços das
palavras, nem se encaixam por medida em páginas encomendadas...
Aceitar esse rótulo é o mesmo que admitir que se escreve para o
"fast-leitor", tudo soa artificial e o vazio da última página apenas deixa o
travo amargo das horas perdidas em leituras indigestas...
Não pretendo criar um debate estético mas, escrever é inato, não vou ao
extremo de falar em dom, não é isso que penso, sei contudo que, quem trata o
fenómeno da escrita como uma questão técnica, nada sabe da arte, do coração que
está por detrás dela.
O que persegue o poeta é a angústia de ter tanto para dizer e muitas vezes,
não saber as palavras, não as encontrar para revelar a dimensão gigantesca
do que lhe vai na alma.
Por isso, a solidão, a introspecção como forma de contornar a impotência, a
mudez que nos ataca e manieta, a inspiração não se prescreve em forma de
pastilhas, quando nos assalta, exige a dor criativa que arrancamos das
entranhas.
Recuso-me a falar de qualidade, é sempre um falso debate e tem o mesmo
progenitor que a estética.
Afinal quem a determina é o público anónimo que decide o que quer ler,
independentemente de ser questionável e de mau gosto, não os críticos que
nas suas roupas por medida, na sua pseudo-excentricidade escrevem notas em
forma de sentença.
Talvez a questão se deva colocar num outro prisma, qual é a estética que a
poesia persegue no poeta...?
6 - Que expectativas tem o JC com a publicação do livro?
Honestamente adoptei a postura de alguém que prefere não as ter, não faz
sentido estabelecer metas ou gerar cenários sem contexto.
Espero apenas poder partilhar com os leitores aquilo que sou, os sonhos que
fazem parte de um universo mágico e poucas vezes, entendido como legitimo.
Assumo o risco de ser incompreendido, de as criticas serem pesadas mas, não
escrevo pensando em prémios ou elogios, é uma necessidade, é a minha natureza,
nada mais, nada menos...
Desejo imenso conseguir tocar os leitores, ser capaz de partilhar com eles
histórias com tempo, sentimento e despretensiosamente simples...
Nunca imaginei conseguir ver um livro materializado, principalmente depois
de alguns episódios caricatos com algumas editoras, deixei de acreditar que
um anónimo pudesse ter acesso a um mundo que se revelava transcendente.
Descobri algumas verdades e aprendi as lições que me deram, acima de tudo
aprendi que, um autor desconhecido que não percorre as galerias dos
notáveis, não tem qualquer chance.
Não aceito a arrogância de quem assume a escrita como esmola de uma elite,
renego a altivez com que se passeiam pela vida e a forma como transformam o
público em gráficos de receitas...
Não sou moralista, nem pretendo sequer invocar qualidades que não tenho,
quero sim e isso faço-o, escrever para quem me quiser ler, encarar o leitor
olhos nos olhos sem esquecer que somos meros passageiros de um tempo que nos
decide.
Não busco a fama, apenas o reconhecimento de um trabalho genuino e sincero,
quanto às apologias, deixo-as para os profissionais que regem e coordenam as
carreiras alheias.
Talvez tenha sido o destino que engendrou este encontro entre duas vontades
marginais de um sistema agressivo e excessivamente competitivo e a obra
nasceu, mesmo com a fragilidade de um prematuro que teima em permanecer...
Sem fazer alarde daquilo que não sou, nem tenho, diria em jeito de final
que, quem ler o meu livro, pode não gostar mas, não ficará indiferente.
A eternidade é uma palavra, origem de muitas..., enquanto escrever e for
lido, serei eterno...
Só a memória a dimensiona e justifica...
7
- JC utiliza muito estas palavras: espeerança, sempre, vida, amor, tempo, passado,
desejo, olhar, corpo, palavras, sol, mar, lágrimas, ilusão, razão, medo, dor,
silêncio, ausência, saudade, solidão. Essas palavras são imprescindíveis para
fazer poesia?
Todas as palavras são vitais para a continuidade da poesia, estas são as que
eu uso, valem aquilo que tenho para revelar, tal como os outros poetas
recorrem a outras e as repetem intencionalmente.
Tudo o que cria linguagem é imprescindível e como a poesia vive da
interligação entre ideias e sentimentos nesse espaço delicado das palavras,
mesmo a mais simples e comum se revela em determinados contextos, de valor único.
Essas palavras fazem parte do nosso vocabulário diário, representam a vida e
tudo aquilo que lhe associamos, não vejo por isso, qual a dúvida da
pergunta.
A poesia é a arte do sentimento, as palavras referidas, já por si só, são
expressões intensas de emoção, se as conjugarmos entre si, podem originar
cenários de beleza, mesmo que salpicados de tristeza...
Gostaria de inventar palavras que fizessem jus à intensidade com que a alma
vê mas, sou um mero prospector, apenas encontro... e construo...
Para mim, neste momento temporal, são as palavras de que preciso e como tal, a
necessidade de as usar torna-as imprescindíveis.
Muitos partilharão desta visão, outros seguramente, terão listas de palavras
imprescindíveis que, por qualquer razão que não é relevante, eu não as
encontrei.
A poesia é o reflexo da alma e a minha, no agora que me justifica, escolheu
estas, cabe ao leitor decidir se são adequadas ao sentimento que a poesia
deve inspirar...
8 - A insistência e recurrência num mesmo universo de palavras é um recurso
ou uma limitação?
A poesia é um resultado, um conjunto de ideias e emoções que se aglutinam e
produzem efeitos duradouros no olhar de quem a abraça.
Não se pode por isso, falar de limitação, nem mesmo naquela em que a rima
condiciona a busca das palavras à sonoridade.
Um livro é como uma impressão digital, tem sempre traços comuns e cada
página revela essa consistência, a natureza de quem o criou.
Técnicamente, todas as palavras são recursos, existem para serem usadas e ao
mesmo tempo, limitam, porque não se inventam, nem acrescentam sentidos ou
intenções...
Cada poeta revela a sua essência nas linhas que oferece aos leitores e ela
revela-se num universo de palavras-chave, seria descaracterização optar por
outros universos que fizessem os criticos sorrir mas, que revelassem uma
plasticidade latente e artificial...
Quando estamos envolvidos num processo criativo, preocupamo-nos mais com o
transpirar das emoções do que com tabuadas eficientes de linguagem...
O poeta é humano, falível, refém da sua necessidade de partilhar e talvez
seja essa a sua maior limitação...
O recurso é permanecer fiel aquilo que somos.
9 - Os textos poéticos do JC são para ser declamados, próprios para um
actor. A oralidade e o coloquial são a força da sua arte, por isso, a negação à
síntese?
Não encaixo, nem classifico os meus textos, escrevo-os, partilho-os mesmo
correndo o risco da incompreensão, o que cada leitor faz com eles, é uma
decisão pessoal que, nem mesmo o autor tem que definir ou limitar...
Talvez funcionem em voz alta, talvez dimensionem o papel de um actor e
introduzam profundidade e consistência ao seu desempenho, não sei, não
procurei determinar o futuro do que escrevo, apenas fazê-lo, como se um
apelo genético o exigisse...
A síntese está implícita, nunca explicita, isso seria retirar ao leitor o
direito e o poder de determinar o final de cada parágrafo, sempre assumi que
os meus textos não falam do "viveram felizes para sempre", seria defraudar,
negar tudo o que escrevi.
Não escrevo argumentos para cinema, não tenho que criar histórias com um
final que não admite alterações e onde os espectadores se limitam a ver, sem
interferir...
Nos meus textos, os leitores são protagonistas, podem alterar o sentido, o
curso da corrente e surpreenderem até o próprio autor...
Não são estáticos, a mudez não é permitida, por isso a pergunta refere a
oralidade, o coloquial como premissas de uma escrita viva que intervêm na
realidade de quem lê.
Não nego a síntese, apenas não a imponho, deixo-a fluir ao sabor da
vontade...
10 - Há como um desespero por falar, embora se esteja a fugir da atenção,
é como uma contradição muito forte?
Fernando Pessoa dizia que o poeta é um fingidor, talvez por essa razão
especifica de que a pergunta é testemunha, a contradição...
Existe por muito que se queira negar, pelo simples facto de que há um espaço
entre o poeta e o homem e a poesia é fruto da convergência dessas duas
personalidades..., por vezes, contraditórias mas, nunca, nem por isso,
falsas!
Recuso o desespero, esvazia a poesia, transforma-a numa mistura amarga
demais que, depressa se esgota. A poesia comunica, não fala, é ligação
intensa e cúmplice com o leitor e pede-lhe constantemente, atenção.
Necessidade, é essa a dependência do poeta, seja qual for a terminologia que
se utilize e que sintetiza a relação estreita entre quem escreve e quem lê.
O poeta não quer o papel principal, limita-se ao de observador atento, as
palavras é que são as protagonistas do sonho e da vontade, do pensamento de
alguém que antes de ser escritor, é também leitor...
Será uma contradição ou uma mais-valia...?!
(*)José Carlos Alves, (1961), nasceu no Porto. Escreveu artigos de opinião e participou em diversos projectos literários. Sonhador assumido, activista das palavras e idealista (in)conformado.
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