versiones, versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Entrevista a Paula
Margarida Pinho, com motivo da publicação do seu livro "Sistema
Solar" pela Editorial 100
(por
email - perguntas de DML)
1) Qual é o
sol em Sistema Solar?
O
sol é a própria vida ou, melhor dizendo, o essencial da vida. Está no centro de
um sistema – uma estrutura – cujos elementos se movimentam e giram, mas mantêm
sempre o equilíbrio. É esta harmonia, este equilíbrio precário que se
estabelece entre realidades diversas e mesmo antitéticas que me fascina. Na
vida, coexistem sol e sombra, alegria e tristeza, encontros e desencontros,
sonhos e realidades. Tentei congregar um bocadinho de tudo isso.
2) A
poesia é um modo de desabafar ou um modo de reordenar ou arrumar o mundo do
poeta?
O
que tem de melhor a poesia é que ela é ou pode ser muitas coisas – eu quase
diria todas as coisas.
Um
modo de desabafar? Esta parece-me uma visão bastante reducionista da criação
poética. Claro que quase todas as pessoas que conheço escreveram, na
adolescência, poemas que eram puro desabafo. Eu também o fiz. Mas, atingida
a idade adulta, penso que é preciso transpor essa etapa: a poesia é um mundo
extraordinariamente rico; não pode limitar-se a ser um reflexo do estado de
espírito de quem a escreve. Não quer isto dizer que perfilhe a teoria pessoana
da poesia como fingimento. Mas, quando escrevo, está lá presente o que sinto
mas também o que imagino que poderia virtualmente sentir (sou propositadamente
redundante). E por vezes nem há sentimentos, nem emoções: só uma visão, ou uma
ideia, ou uma sugestão narrativa. Tudo isto se entrelaça. E eu não gostaria que
as pessoas lessem o livro com o objectivo de procurar nos textos vestígios de
mim ou ecos de circunstâncias da minha vida. Preferiria que procurassem, antes,
reflexos de si próprias. Porque todos, de uma forma ou de outra, fazemos parte
do mesmo sistema solar.
Um
modo de reordenar o mundo? Embora a palavra “Sistema”, no título, pareça
remeter para uma organização estrita, eu não tenho pretensões a reordenar ou
arrumar o mundo – nem sequer o meu mundo, porque há sempre muitas coisas que me
escapam. Porém, é verdade que um poema é a cristalização de algo importante: um
pensamento, um imponderável, um breve fragmento de vida. É a corporização de
momentos que passaram mas ficaram guardados nas palavras. Depois de os sentir
autónomos, e consistentes, posso deixá-los para trás, e evoluir no sentido de
algo de novo e diferente. Um poema é algo que faz sentido por si só. E,
especialmente na nossa era, precisamos muito de coisas que façam sentido...
Para
mim, escrever poesia é, sobretudo, uma forma de estar, uma necessidade quase
irreprimível que acontece de vez em quando. Poderia citar Alberto Caeiro, o Mestre
heterónimo de Fernando Pessoa: “Ser poeta não é uma ambição minha / É a minha
maneira de estar sozinho”. O que não quer dizer que o processo de escrita se
desenrole com naturalidade e fluidez; pelo contrário. Mas é algo que preciso
de fazer, para não me descentrar de mim, para não me esquecer de viver. E
reconduzir tudo ao essencial.
Para
mim, a poesia é uma busca constante e quase obsessiva da essência das coisas e
da vida.
3) Porquê titular os
poemas?
Ultimamente, tenho dado título aos poemas – mas nem sempre o fiz, e não garanto
que continue a fazê-lo.
É
difícil titular os poemas: trata-se muitas vezes de um esforço suplementar de
síntese. Acontece-me ficar indecisa entre dois ou mais títulos; acontece-me não
ficar plenamente satisfeita com o título que escolhi. Nesse aspecto, lembro-me
por vezes de Miguel Torga, que se queixava de ser péssimo em títulos... mas
continuava a titular os poemas.
De
qualquer forma, neste momento, penso que o título traz algumas vantagens:
confere ao poema maior autonomia; complementa o sentido do corpo do
texto; torna-se uma chave essencial para a compreensão das ideias veiculadas;
remete para aquilo que considero essencial.
4) Qual a importância
do EU na tua poesia?
Não sei avaliar a importância do EU na minha poesia. Talvez possa fazer apenas
algumas aproximações à questão.
Já
Sá de Miranda se lamentava porque, apesar de zangado consigo mesmo, não
conseguia viver sem si próprio – e encarava esta situação como uma espécie de
condenação. Eu não estou zangada comigo, mas também tenho aguda consciência
desta obrigatoriedade de viver sempre comigo: tudo o que vejo, sou eu quem vê;
tudo o que sinto, sou eu quem sente; tudo o que imagino, sou eu quem imagina;
tudo o que sou, sou eu quem é; tudo o que vivo, sou eu quem vive. E, como
qualquer pessoa, empresto a minha subjectividade à realidade.
Tenho
consciência da presença linguística muito frequente dos pronomes de primeira
pessoa, nos meus poemas. Mas não quer dizer que essa primeira pessoa gramatical
corresponda à minha pessoa real. E há textos em que falo de um “nós”, ou me
dirijo a um “tu”, ou descrevo uma realidade alheia de mim, que não são por isso
menos subjectivos.
Dito
isto, quero salientar que, mesmo correndo o risco de ser tradicionalista,
encaro o texto poético como intimista por natureza. Mesmo que esse intimismo
seja recriado.
5) Que dizer sobre a
presença da natureza para reflectir os sentimentos?
A natureza é uma das coisas realmente boas que nos resta. E, porque temos
consciência de que está ameaçada e de que vivemos cada vez mais afastados dela,
reveste-se de uma aura quase mítica. A natureza é equilíbrio, harmonia,
liberdade, apaziguamento. Mas pode ser também o contrário de tudo isso, nas
suas forças mais selvagens.
Penso
que precisamos de lembrar constantemente o facto de nós, seres humanos, fazermos
parte do mundo natural. Só assim a nossa vida faz sentido, porque percebemos
que comungamos de um todo, juntamente com as aves, as flores, as ondas do mar,
as estrelas...
6) Se as palavras
quebram o encantamento, porquê a poesia?
“A
linguagem é fonte de mal-entendidos” – dizia a raposa ao Principezinho,
de Saint‑Éxupéry. O ideal talvez fosse a ausência de linguagem. Ou, se
quisermos, segundo a terminologia de Roland Barthes, o grau zero da escrita.
Ou ainda, como em Sophia de Mello Breyner, as palavras concretas, que
passariam a ser o real, em vez de o nomearem. Nos momentos breves
de maior comunhão, dispensamos as palavras. E, mesmo correndo o risco de
contraditória ou incoerente, assumo que, para mim, esse seria o ideal. Mas tudo
isto é uma utopia: a comunicação serve-se de palavras frágeis e por isso é
frágil também.
Porém,
a poesia não é feita só de palavras: é feita de silêncios; de intervalos entre
palavras; de páginas parcialmente brancas, que deixam o poema respirar. A
poesia é feita de palavras muito mais leves que as da prosa – esta última
compacta e densa. Por isso a palavra poética se aproxima da ausência de
palavras. Às vezes, é mais música que linguagem. É mais imagem pictórica que
referente. E gera encantamento, em vez de o quebrar – como acontece com a larga
maioria de palavras que nos impõem no dia a dia.
7) A vida não é
"vida" sem poesia?
Podemos viver sem poesia, podemos viver sem literatura, e sem música, e sem
qualquer forma de arte. Podemos viver sem beleza. Mas, para mim, talvez isso
seja mais sobreviver que viver. A arte – qualquer forma de arte – alarga
os nossos horizontes limitados de seres finitos, projecta-nos para fora do
nosso circulozinho fechado e rotineiro. Dá luz e cor à vida, porque gera
beleza. E a beleza é uma necessidade e um valor em si mesma, num mundo em que
há tanta fealdade tão valorizada.
...E pronto! Já me obrigaram a fazer aquilo que eu não queria: analisar a minha
própria escrita. Como professora de Português, analiso os textos dos outros e
tento ajudar os jovens a compreenderem-nos e a apreciarem-nos. Em relação aos
meus, preferia não ter que arcar com esta duplicidade. Preferia escrevê-los
espontaneamente, sem pensar nos processos que inconscientemente desenvolvo.
Escrever e reflectir sobre a escrita gera uma duplicidade muito desgastante...
(*)Paula Margarida Pinho, portuguesa, poeta e professora. Nasceu e mora actualmente em Vale de Cambra.
Números anteriores:
13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29,
30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50