versiones, versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
José Carlos Alves:
Ponto de partida, Sherazade e Divagando
PONTO DE PARTIDA
Era uma estação igual a muitas outras onde as pessoas se atropelam na urgência de chegar a lugar algum...
Talvez fosse o único sem pressa, sem destino, apenas com um bilhete para o esquecimento, em busca de um futuro sem passado...
Fiquei no olhar perdido, no desejo contido, à espera do adeus merecido e final, nos painéis as informações que não li, o meu comboio não vinha à hora, também tu não chegarias para a despedida...
Tentei absorver a luz daquele dia, as cores com que a alma pinta os caminhos que a mente escolhe, talvez na utopia da vontade ultrapassada pela evidência.
Os factos esvaziam a paixão e tudo se torna demasiado real para que os sonhos repousem no meu peito.
De repente, vislumbrei imagens soltas..., deixei-as da mesma forma que o passado...
Pelos caminhos quentes desta estrada sem sombra, o sol toldou-me o olhar e perdi-te algures num desvio sem sinal....
Fui apenas um cometa que por aqui passou, muito barulho, poeira e luz mas que com o tempo se esquece, tornei-me maior do que sou porque as minhas palavras encerravam o meu desejo de ser, porque transportavam a voz da minha alma....
Tal como um vidro vulgar reflecte o sol duma forma mágica, assim eu me tornei por instantes até uma nuvem passar e a realidade assumir a sua função...
Parto sem rumo, todos os horizontes se aceitam, todas as missões são possíveis, todos os sonhos são legítimos.
Ficam as memórias de um tempo sem tempo, de um espaço onde o sol e as estrelas coexistiram em harmonia perfeita, de uma história por inventar.
Deixo-te no silêncio de um adeus, de um beijo roubado pela saudade que não sinto...
SHERAZADE
Histórias intermináveis de noites sem fim, 1001 vezes a imaginação com
que me prendias, me subjugavas aos epílogos sempre adiados...
Nem a tua beleza me distraía das linhas em que moldavas o desejo, a
paixão louca das vidas alheias...
Os teus ritos de permanência, o prolongar das madrugadas em enigmas
por desvendar, o reflexo da esperança na sedução com que me inebriavas...
Nessa espiral em que mergulhávamos, senti sempre a fuga que tentavas,
o receio do poder frio da vontade...
Nunca percebeste que o risco que temias era fruto dessa ilusão com que
salpicavas tudo, apenas seria capaz de te matar de amor Sherazade do meu reino...
DIVAGANDO
Não sei quantas vidas vivi, que segredos a ampulheta do tempo me esconde, apenas sei que carrego a imagem de alguém que espera por mim...
São recortes feitos de recordações que não lembro, de experiências que não deixaram efeitos, só um rosto me impele na definição dos contornos que não vislumbro...
Atravessei desertos e florestas, perdi-me nas cidades onde o sol não entra e onde apenas o medo se exibe, procurei verdades mas só encontrei ilusões...
Os vestígios que deixaste não me ensinaram o caminho e as cores com que pintaste o dia não impediram a noite de chegar...
Será que o futuro não é mais do que um passado que persiste em ficar?
Terei que percorrer as rotas que ninguém trilha para chegar àquilo que já tive?
Apenas as dúvidas feitas interrogações, os olhares ávidos de certezas mas que as sombras teimam em perseguir...
Sempre neste terminus sem fim, nesta louca circunferência à volta de nós próprios, fugindo daquilo que temos mas que a realidade nos nega...
Tento juntar as letras na urgência de saber o teu nome, de chegar até onde a razão me levar, até onde o sonho me impelir...
E quem sabe nesta corrida sem vencedores, algures entre as vidas que
atravessamos, no limar do desejo consumado e perdido, nos encontramos nesse instante sublime em que as almas se unem...
(*)José Carlos Alves, (1961), nasceu no Porto. Escreveu artigos de opinião e participou em diversos projectos literários. Sonhador assumido, activista das palavras e idealista (in)conformado.
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