versiones,
versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Verónica Da Costa(*)
« Eléc. »
QUADRO I
( Duas mulheres nuas de costas; cada uma tem um écran
à sua frente. – Imagem de partos...)
1ª mulher: Saqueada do esperma do meu pai, vi o muro rebentar...
Suguei o sangue do ventre feminino e vomitei olhos, pernas, mãos, sexo...
2ª mulher: Encontrava-me dentro de um tubo de ensaio.
Através de uma seringa, foi injectada num vidro... –Vomitei horas depois, devido ao enjoo da viagem!
1ª mulher: Tornei-me cega e aprendi a ver a lei, fazendo a minha vida girar em torno de uma decapitação judicial e ingerindo Valiums nas horas do lanche.
2º mulher: Comecei a consumir fios eléctricos e a calcular os homens que poderia matar através de uma tecla... Passei a ver o mundo a três dimensões, durante os dez minutos de intervalo escolar!
1ª mulher: Nos sonhos em que não havia sexo, via os cadáveres da minha família a serem expostos na secção de «frutas frescas», em supermercados...
2ª mulher: Todas as tardes enforcava os cães, que encontrava na rua em postes de alta tensão, pois ajudava na alimentação da minha criação virtual... – Os jogos tornavam-se mais difíceis!
1ª mulher: Despi-me à frente do espelho e observei as garras que cresciam no meu ventre...
Calmamente vomitei os pêlos do meu sexo e ri durante horas à frente da transformação!
2º mulher: Os parafusos saíram dos meus olhos, os meus dedos tornaram furos e os meus pés contas matemáticas. - Vi o meu corpo desfazer-se em código!
1ª/2ª mulher: «Fodi» o meu corpo! Preguei o pensamento em estátuas humanas...
1ª mulher: O meu sangue ficou contaminado pela doença...
2ª mulher: O meu sistema foi penetrado por um vírus!
1ª mulher : O meu corpo falhou e eu morri...
2ª mulher: Desliguei-me da electricidade...
( As duas mulheres saem para os lados; as imagens continuam a passar, mas agora, com som )
( Dez pessoas presas ao tecto por correntes de ferro; dizem texto ao mesmo tempo de maneira diferente )
- Ratos mecânicos enchem a boca de veneno para que possam cuspir, durante a próxima viagem de autocarro... Vestem os fatos de látex, produzindo imagens plasticamente mumificadas. Enrolando as suas caudas, cobertas de espinhos, nos pescoços cortados, cospem a língua inchada e roxa. – A linguagem vai morrendo, por entre gengivas mortas!
O diálogo permanece, mas agora, entre cabeças congeladas em televisores rachados. Imagens passam como sonhos nos cérebros transparentes, derretendo corpos puramente enforcados... Escondem-se rostos e despe-se a pele azul, voando por ninhos secos e metálicos. – Cantam-se canções com a nova esperança crucificada!
( Tudo desaparece...)
QUADRO III
(quarto vazio; um corpo todo escrito no chão; o homem faz a reza; a voz é de uma mulher. –Som.)
«Homem»: A viagem começa com o ponto de ruptura, enquanto se espera pelo o inimigo morto... –Ah, as vezes que me masturbei a pensar num futuro gráfico, os corpos que humilhei na cama ilusória, as vezes que cuspi em cima dos lençóis rasgados. Febres e dores de parto...
Acordei vinte vezes, durante o sono agitado e procurei o despertador, no entanto, tudo o que eu via eram fantasmas colados às paredes sujas de tabaco. Observei, vezes sem conta, as curvas do tempo passar, como lágrimas em sexos metálicos e sujos de ferrugem!
Os meus dedos transformaram-se em teclas; o meu crânio num projector; os meus olhos em lentes; as minhas veias em electricidade; o sexo ficou seco, coberto de espuma ácida... –Abro os olhos, apenas vejo o vazio do mundo reprimido pela falta de complexidade morta.
( levanta-se, sai, vivo por fora morto por dentro )
QUADRO IV
( uma família em «decomposição» )
Mulher: Esmagaram o meu carro contra os mamilos encarnados do homem falso, despejando ossos de traição. Rebentei os ecrãs do meu muco vaginal...
Homem: Cada dia que passa, encontras o meu sexo mole enfiado na tua boca metálica. Os teus dentes espetam-se nas minhas rodas, e eu rebento com as gargalhadas produzidas em fábricas contaminadas!
Mulher: Aponto a lanterna para os teus olhos esverdeados e apenas consigo ver a explosão de um mundo decadente e electrocutado, como veias secas, mas no entanto, cobertos de esmegma...
Homem: Veste o fato à prova de bala! Agora, aqui, à minha frente, rasga o teu sexo e ouve o teu som maternal a ser destruído...
Mulher: As crianças não passam de imagens ilusórias, virtuais, que se enforcam em árvores inanimadas!
Homem: Não tenho culpa de ser «seco» !
Mulher: E eu não tenho a culpa de ser «estática».
(Pegam em x-actos e brincam às mortes)
( Todos os actores em palco; lavam o seu corpo em arame farpado)
Voz off : Espalho a sujidade em agressividade e revolta, despejando corpos para valas infinitas de prazer... As cores preenchem-me os seios excitados, esquartejados numa esquina próxima num hospital em decomposição. Os gritos sufocam camas emaranhadas em cabos experimentalistas, o vómito sacia a sede do ódio morto!
Lavo-me de imagens alienadas, dispo-me de faca e garfo, ficando à espera do banquete manipulado por cabeças decapitadas. Rebento com a tinta do meu cérebro, esmagado por um guindaste assexuado... – As lágrimas transformam-se em choques eléctricos, o sexo numa doença sanguínea! As palavras são sufocadas em redes de metal, o pensamento digerido calmamente na boca do dragão subversivo! – A morte começa a cuspir fogo branco, os seus dentes apodrecem numa jaula sem grades... O vício é a palavra do sonho dos incompetentes e esquecidos!
(Os actores «morrem» enforcados no arame)
QUADRO VI
(Luzes frias; pessoas, deitadas no chão, fazem ruas; pessoas a falar, em diversas línguas o mesmo texto)
População: O ódio reprimido num cigarro, liberta a sua intimidade nos dentes mais próximos, amarelados. – A peste!!! A rua cobre-se de cacos; restos electrónicos; pedaços de pernas; úteros a esvoaçarem; livros petrificados...
O céu negro cobre os rastos da cara infernal, do sexo deprimente. – A mulher chora em lágrimas azuis! O tempo é enforcado em cabos de postes de alta tensão!
Os contornos orgânicos, contorcem-se cada vez mais. – Na montra de uma loja, uma televisão ligada, que grita por mais horas! Risos... Pânico... O sangue ferve, eles choram. (O meu cigarro!)
No meio das imagens subversivas, as crianças masturbam-se e os cães aplaudem... Podres... – Pensamentos mergulhados em compaixão fútil! Os olhos bem abertos... Dos dedos, escorrem as garras marcadas, espalhando-se pelo corpo estragado. – Deitem os pacotes de merda no lixo!!! A música para, e o espectador vomita de riso.
(black out./ saem)
(Da «teia» sai uma tela; projecção de uma conversa entre o homem que está sentado no filme (mudo) e a mulher que está sentada em palco (nua). Falta de comunicação/universos diferentes. Apenas a luz do écran; duração de três minutos.)
Mulher: Porquê? (...)
( Sai agarrada aos seios; olhos vermelhos de tanto chorar. A tela sobe.)
(Luz incide nos espectadores, forte/roxa. Surgem dois homens e uma mulher, despidos; de algo «incompleto»)
Homem: Este ar condicionado está sempre avariado!
Mulher: Alguém viu o meu silicone, aí espalhado no chão?
2ªhomem: Cala-te minha besta, tu violaste o meu filho. Anormal...
Homem: Alguém tem um casaco? (começa a tremer)
Mulher: Ah! Encontrei um isqueiro... Agora é que te vou apanhar, minha bolita gelatinosa!!!
2ªHomem: Levanta-te, olha-me nos olhos, admite a tua perdição! Não te escondas por baixo de cadeiras!
Mulher: Eu não acredito. Como é que foste capaz de rebentar, minha gelatininha! (desata a chorar de pânico)
2ªHomem: Pára de chorar, minha estúpida.
Homem: Os meus olhos vão começar a fechar. –Liguem a merda do aquecedor!!!
Mulher: Vou buscar uma flor, espera... O funeral mais lindo, que eu imaginara em criança!
2ªHomem: O funeral do meu filho?
Homem: Cinco segundos, e eu morro de hipotermia!
Mulher: Larga-me não tens nada a ver com esta «operação»!
2ªHomem: Dói, puta?!
(arrancando o cabelo à mulher)
Homem: Três, dois, um... Tiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!
Mulher: Que chatice!
2ªHomem: Olha, ele morreu?!
Mulher: Vou por um bocado de silicone na boca, talvez ele acorde...
2ªHomem: Não se importam de levantar, está aqui um homem roxo...
Homem: Um cigarro?!
( Saem, arrastando o outro homem; a luz desaparece)
QUADRO IX
(Da «teia» descem todos os actores (nus), pendurados («enforcados») em cabos; tentam soltar-se. Som de tempestade; luzes de tempestade; muito vento. -«Tudo voa»/público; paranóia.
As imagens que passaram ao longo dos quadros, passam agora, a grande velocidade em quatro telas, espalhadas pela sala... Duração de sete minutos.)
(Acaba em grande silêncio; grande escuridão. –Vazio.)
QUADRO X
(As duas mulheres do primeiro quadro, aparecem sem pernas e braços, por debaixo da tela, que projecta agora, imagens de circuitos eléctricos. –A tela desce devagar, para lhes cortar os seios. Uma oração)
Mulheres: Creio na carne queimada, após uma bomba enfiada nas
narinas; o sexo rasgado ao meio; os dentes espetados em retinas; a dor que me afoga os pesadelos desencontrados da vida imprópria; visto os meus fios...-Aí vem a música nobre, aquela que me suga o estômago, quando está convulsivo e vulnerável! Os meus pés?!
Repito tudo aquilo que faço em momentos lentos... Despejo o balde de merda no coração do deus louco! Rir... O tempo burguês de barrigas inchadas!!! Foça... Os edifícios altos, rachados em curvas esgotantes. Vidros partidos e homens pendurados em gravatas rotas. –As imagens gritam por ajuda, e os velhos continuam sentados, em bancos de sémen encarnado... Ah, que beijo eu ofereço a infectados, que seio eu despedaço em ferros! Agora, vejo a caixa aberta chegar, e o que é que eu faço? Masturbo-me? Não, verifico que o sexo está bem aberto, para os novos habitantes se encaixarem...
É por isto que perco a cabeça! Os homens derretem-se em linhas de metro. As mulheres estimulam os seus calos magníficos. As crianças chupam varas de ferro... A minha família! Quadros mortos, pintados a saliva... –Onde é a casa-de-banho?! Vómito espalhado na cama. Mãos entaladas, pés deformados. A misericórdia morreu á espera de um telefonema da «linha erótica»!!! Perdição... –Morro?!
(As cabeças cortadas; black out)
(*)Verónica Da Costa, escritora portuguesa. Nasceu em Lisboa, 1981. Actualmente mora no Porto e está a estudar CINE. Eléc é a sua primeira obra de teatro.
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