versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Laura Moniz(*):
1950 e outros poemas de "A musa das coisas pequenas"
1950
tão longe fica
a lancha da meia morte
meia dor meia flor
para chegar em espera ao hospital
na lancha da meia morte
que tão longe fica
meio amor meu amor
que não acaba
na cana d’açucar
ou no poio cavado
meia dor minha dor
para encher de mel
o teu sorriso
que tão longe habita
tão longe fica
a lancha da meia morte
meio amor meia dor
meu amor minha dor
tão longe fica
e essa metade da vereda
que leva ao teu altar
tira-me o teu olhar
que de tão longe fita
Direi a Pavese I
esse céu
esse céu de frio azul
a torrente nortenha
as ondas sobre as rochas
e a secura da terra despojada
direi a pavese
das rochas agrestes
do mar contra as rochas
e o que dizem
a paisagem sem poios
sem camponês
e o vento
desse céu
desse céu de frio azul
onde apascento
os murmúrios da sua ausência
Direi a Pavese II
e desta flor de cacto
o pé de tabaibo em ascenção
restará o silêncio eterno e imutável
da fonte ausente
direi a pavese
desta flor de cacto
do avião que sobrevoa agora o céu
e da fonte ausente
onde não habita homem nenhum
nenhum servo da tempestade
nenhuma viúva lacrimosa
e desta flor de cacto
permanecerá o silêncio ausente
daquele que morreu
longe de mim
agora
a noite que se cala
quando nos deitamos
com um roçar de asas
as andorinhas abandonam um poema
o meu poema
e o silêncio
vão temperar teu rosto
com pequenas palavras
são interjeições em forma de
roçagar de mordedura
o verão passado
ai o verão passado
na noite que se cala
o verão passado
o verão passado na roca imóvel
é um subtil, tenro e terno,
muito terno rebento verde
a estalar no pico do facho
a noite que se cala
quando nos deitamos
com um roçar de asas
de poema abandonado
o café fechou meu amor,
pantera negra, selva africana,
na noite que se cala
atenta ao som da tua pele de ébano
tudo é esquecimento, meu amor,
e nele contemplo tua face momentaneamente ausente,
pantera negra alvejada, selva africana abandonada
quando nos deitamos
e as andorinhas abandonam o poema
às tuas mãos de noite
às tuas mãos de princesa regressada
(*)Laura Moniz, escritora madeirense.