versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Verónica da Costa(*):
Murmúrio e outros poemas
Murmúrio
Frio
é o verde que se cola
nas mãos do vento.
Dói
a cinza nuvem
que das articulações
tentam exercer
a química acção.
Escavo
na pobre paisagem
a passagem da peste.
Oiço a revolução
sem perdão
e na comoção
desespero as roupas
rotas
frescas
ao querido efémero
de pescoço asfixiado.
Vozes.
Crueldade de vista
que impede
a pista de ser esculpida
e despida…
Riem
os sons da agonia
trémula
fétida
pois no seu calor
só a piedade é válida
por não ser inválida.
São os membros
que se desfazem
no cenário enquadrado
na ponte do ar.
É a água
que se vê
líquido tépido de fezes.
Desenha-se
a sujidade
da idade morta
e no morto flutuante
reflexo meu
que se assemelha
à doce fogueira
do movimento nefasto.
Grito
de tom a pique
a todos os bichos
que no buraco
tentam escolher
a melhor dormida.
Para quê?
Se dormir
não passa
de um manifesto
da fraqueza de festa.
Passo a escolher
o festim
de frutos vermelhos
e de carnes negras.
Longe.
Aqui.
Descida
E lá caminhava ele
o forte velho da história
percorrendo a rua escura
olhando o mármore de prata.
Antes vestia o roto hábito
de quem se lava na terra
agora calça os sapatos do conde malandro
assinando o chão a leves traços de esperteza militante.
O fato era o espelho do furto
e o roubo
o proveito do berro do velho.
Pobre velho
magro demais para tais vestes
mas que de grande sorriso
se pavoneava de conde carnavalesco
tropeçando em cada pedra da ponte em festa.
Logo de chegada à outra banda
vê o seu pé descalço
e numa voz de nervo
grita com o sapato caído:
- Maldita chanata que me levas no engano.
É que o conde tinha um problema de pés
um deles era maior que o outro.
Então
o velho fanático
atira-se ao pequeno crime
sem cabeça nem medidas.
Recolhendo o fruto do furto
o de encaixe imperfeito
calça a sapata sem esforço
e novamente atravessa a ponte.
P’ra traz e p’rà frente
p’ra lá e p’ra cá
abre a boca de orgulho e de tenso.
Até que avista a boa mulher do peito encorpado
que de mãos à cintura
vinha reparando no vaivém.
A ele nada fica bem
e a vergonha cresce-lhe num rubro sorrir.
Só que a mulher de grande forma
aponta-lhe as goelas gritando:
- Dá cá mas é a roupa
que o conde está nu.
Transpiração
Estou aqui para falar
falar de coisas
da coisa do peito
do peito que abriga
protegendo o espaço teu.
Já alguma vez ouviste isto
isto do som que mata
a morte do pássaro vermelho?
Se eu percebesse realmente sobre isto
isto do som avermelhado
estaria provavelmente a dormir
sonhando nos braços
que são os teus
e não os dos outros que maltratam isto
isto do som inexplicável
inabalável.
Sei que esperas o serviço do vinho
no alto clima do suor
do espinho de amar
num espaço de expansão e liberdade.
São as dores que me prendem a isto
isto de tentar falar sem palavra
da palavra do som
e do som da palavra. –Amor!
Pequenas coisas movem a atenção
atendendo ao lobo feroz
rasgando o olhar na direcção do teu ar
purificando a entrada do mundo
o mundo que é teu
o mundo das coisas
de coisas tuas que matam a sede
vertendo líquidos para a língua
que não fala de coisas mas de ti fala.
Falo sem qualquer prazer
abdico do rítmo para te amar ou odiar
e voar na saliva que te embeleza a alma.
Eu quero histórias e não coisas
a não ser que sejam as tuas coisas
coisinhas que prefiro à fala.
Apercebo-me da coisa que se reflecte
as coisas que compõem a imagem
o reflexo de quem te deseja sem piedade alguma.
-Tu refectes-me!
Ainda me ouves falar ou nem por issso?
Amor,
acho que deixo a mulher ou o homem de parte
para te poder atingir
com coisas que nem sequer são minhas
ou talvez de ninguém
que são o eu do meu não reflexo.
Não penso sobre coisa alguma
e o nada exerce agora a sua função plena de cores
e cromático será o meu choro
quando te abraçar na faltqa respiratória.
Poderias ser mãe de uma coisa
e essa coisa bastarda mas fiel como um cão vadio.
Agarras e eu deixo-me agarrar.
Sinto que esta coisa do agarranço
já não fala por si
corroendo o poder que se me cola a ti.
Terei eu algum sentido?
Que coisa esta
a coisa que é esta a da espera.
Aí vem o negro
o negro da coisa gástrica
a coisa criadora da solidão
da podridão do espaço
o espaço da terra
terra de separação efémera. –Coisa teatral esta!
Bebo pensando no afogar desta coisa
a coisa musical da dor física
a coisa humana.
Não será isto
o falar de coisas
que provoca o tal bicho aguado?
Continuo sem falaar da coisa rápida
o veloz político emocional
um problema que detém a coisa numa campanha anti-histérica.
Já não grito
prefiro contemplar suavemente a coisa de longe.
A coisa que narra a palavra tua. Tu.
Esfrego os olhos
agora tento vêr a coisa de perto
infelizmente não posso
não te tenho para beijar
essa coisa que são os teus lábios de viva paixão.
Vinte anos chegam para sentir que a coisa não funciona
não deixando sobreviver o mecânico do acto ordinário.
És tu a coisa
que me prende o movimento
dilacerando a capacidade de calmaria infecta de energia.
A coisa de me deitar contigo
é a coisa do meu vício
que deixa o pulmão sem oxigénio.
Não aguento mais isto
isto de falar sobre coisas
coisas que não compreendo
e no entanto a coisa é magnífica
pinta a tela do mundo
em tons rápidos e eficazes.
Agarras e eu deixo-me agarrar.
Passo a chorar sob a coisa que não é minha
e tua será sempre.
Espera espera
ainda consigo levantar
levantar-me sobre a coisa
em que não faço a mínima ideia onde irá parar.
Estou a inchar de coisas
factos que deixo ocultos
e só tu me és capaz de esclarecer
no meio da vida que faz esta coisa girar
e sempre sem parar
a coisa transforma-se
modificando a minha fisionomia
traços que não têm qualquer senso
a não ser quando admirados pela coisa
coisa que é o teu olhar escuro e profundo.
Dói a voz que chama por ti. – Espera por mim.
Sempre que possas
espera por mim
e assim ficarei sob a tua vigia de monge
espírito vasto de cantos e recantos.
Caio novamente nesta política
coisa plexular
irritando os meus sentidos p’rà variação
que pretendo dar a esta coisa.
Acontece que
esta coisa de contar qualquer coisa
apoderou-se totalmente da coerência
que faz do meu ser um pecado nato.
És tu aí?
Tu coisa de talento maior
que fazes desta coisa uma farça
de largos risos e poucos gestos.
Quebro a página e deixo toda esta coisa
nas tuas mais doces mãos.
(*)Verónica da Costa, escritora portuguesa.