versiones, versiones y versiones...renovar la aventura de compartir la vida con textos, imágenes y sonidosDirector, editor y operador: Diego Martínez Lora    Número 52 - octubre-noviembre 2003


Verónica da Costa(*):

Murmúrio e outros poemas


 

Murmúrio 

 

 

Frio

é o verde que se cola

nas mãos do vento.

Dói

a cinza nuvem

que das articulações

tentam exercer

a química acção.

Escavo

na pobre paisagem

a passagem da peste.

Oiço a revolução

sem perdão

e na comoção

desespero as roupas

rotas

frescas

ao querido efémero

de pescoço asfixiado.

Vozes.

Crueldade de vista

que impede

a pista de ser esculpida

e despida…

Riem

os sons da agonia

trémula

fétida

pois no seu calor

só a piedade é válida

por não ser inválida.

São os membros

que se desfazem

no cenário enquadrado

na ponte do ar.

É a água

que se vê

líquido tépido de fezes.

Desenha-se

a sujidade

da idade morta

e no morto flutuante

reflexo meu

que se assemelha

à doce fogueira

do movimento nefasto.

Grito

de tom a pique

a todos os bichos

que no buraco

tentam escolher

a melhor dormida.

Para quê?

Se dormir

não passa

de um manifesto

da fraqueza de festa.

Passo a escolher

o festim

de frutos vermelhos

e de carnes negras.

Longe.

Aqui.


 

Descida

 

E lá caminhava ele

o forte velho da história

percorrendo a rua escura

olhando o mármore de prata.

Antes vestia o roto hábito

de quem se lava na terra

agora calça os sapatos do conde malandro

assinando o chão a leves traços de esperteza militante.

O fato era o espelho do furto

e o roubo

o proveito do berro do velho.

Pobre velho

magro demais para tais vestes

mas que de grande sorriso

se pavoneava de conde carnavalesco

tropeçando em cada pedra da ponte em festa.

Logo de chegada à outra banda

vê o seu pé descalço

e numa voz de nervo

grita com o sapato caído:

- Maldita chanata que me levas no engano.

É que o conde tinha um problema de pés

um deles era maior que o outro.

Então

o velho fanático

atira-se ao pequeno crime

sem cabeça nem medidas.

Recolhendo o fruto do furto

o de encaixe imperfeito

calça a sapata sem esforço

e novamente atravessa a ponte.

P’ra traz e p’rà frente

p’ra lá e p’ra cá

abre a boca de orgulho e de tenso.

Até que avista a boa mulher do peito encorpado

que de mãos à cintura

vinha reparando no vaivém.

A ele nada fica bem

e a vergonha cresce-lhe num rubro sorrir.

Só que a mulher de grande forma

aponta-lhe as goelas gritando:

- Dá cá mas é a roupa

que o conde está nu.


Transpiração

Estou aqui para falar

falar de coisas

da coisa do peito

do peito que abriga

protegendo o espaço teu.

Já alguma vez ouviste isto

isto do som que mata

a morte do pássaro vermelho?

Se eu percebesse realmente sobre isto

isto do som avermelhado

estaria provavelmente a dormir

sonhando nos braços

que são os teus

e não os dos outros que maltratam isto

isto do som inexplicável

inabalável.

Sei que esperas o serviço do vinho

no alto clima do suor

do espinho de amar

num espaço de expansão e liberdade.

São as dores que me prendem a isto

isto de tentar falar sem palavra

da palavra do som

e do som da palavra. –Amor!

Pequenas coisas movem a atenção

atendendo ao lobo feroz

rasgando o olhar na direcção do teu ar

purificando a entrada do mundo

o mundo que é teu

o mundo das coisas

de coisas tuas que matam a sede

vertendo líquidos para a língua

que não fala de coisas mas de ti fala.

Falo sem qualquer prazer

abdico do rítmo para te amar ou odiar

e voar na saliva que te embeleza a alma.

Eu quero histórias e não coisas

a não ser que sejam as tuas coisas

coisinhas que prefiro à fala.

Apercebo-me da coisa que se reflecte

as coisas que compõem a imagem

o reflexo de quem te deseja sem piedade alguma.

-Tu refectes-me!

Ainda me ouves falar ou nem por issso?

Amor,

acho que deixo a mulher ou o homem de parte

para te poder atingir

com coisas que nem sequer são minhas

ou talvez de ninguém

que são o eu do meu não reflexo.

Não penso sobre coisa alguma

e o nada exerce agora a sua função plena de cores

e cromático será o meu choro

quando te abraçar na faltqa respiratória.

Poderias ser mãe de uma coisa

e essa coisa bastarda mas fiel como um cão vadio.

Agarras e eu deixo-me agarrar.

Sinto que esta coisa do agarranço

já não fala por si

corroendo o poder que se me cola a ti.

Terei eu algum sentido?

Que coisa esta

a coisa que é esta a da espera.

Aí vem o negro

o negro da coisa gástrica

a coisa criadora da solidão

da podridão do espaço

o espaço da terra

terra de separação efémera. –Coisa teatral esta!

Bebo pensando no afogar desta coisa

a coisa musical da dor física

a coisa humana.

Não será isto

o falar de coisas

que provoca o tal bicho aguado?

Continuo sem falaar da coisa rápida

o veloz político emocional

um problema que detém a coisa numa campanha anti-histérica.

Já não grito

prefiro contemplar suavemente a coisa de longe.

A coisa que narra a palavra tua. Tu.

Esfrego os olhos

agora tento vêr a coisa de perto

infelizmente não posso

não te tenho para beijar

essa coisa que são os teus lábios de viva paixão.

Vinte anos chegam para sentir que a coisa não funciona

não deixando sobreviver o mecânico do acto ordinário.

És tu a coisa

que me prende o movimento

dilacerando a capacidade de calmaria infecta de energia.

A coisa de me deitar contigo

é a coisa do meu vício

que deixa o pulmão sem oxigénio.

Não aguento mais isto

isto de falar sobre coisas

coisas que não compreendo

e no entanto a coisa é magnífica

pinta a tela do mundo

em tons rápidos e eficazes.

Agarras e eu deixo-me agarrar.

Passo a chorar sob a coisa que não é minha

e tua será sempre.

Espera espera

ainda consigo levantar

levantar-me sobre a coisa

em que não faço a mínima ideia onde irá parar.

Estou a inchar de coisas

factos que deixo ocultos

e só tu me és capaz de esclarecer

no meio da vida que faz esta coisa girar

e sempre sem parar

a coisa transforma-se

modificando a minha fisionomia

traços que não têm qualquer senso

a não ser quando admirados pela coisa

coisa que é o teu olhar escuro e profundo.

Dói a voz que chama por ti. – Espera por mim.

Sempre que possas

espera por mim

e assim ficarei sob a tua vigia de monge

espírito vasto de cantos e recantos.

Caio novamente nesta política

coisa plexular

irritando os meus sentidos p’rà variação

que pretendo dar a esta coisa.

Acontece que

esta coisa de contar qualquer coisa

apoderou-se totalmente da coerência

que faz do meu ser um pecado nato.

És tu aí?

Tu coisa de talento maior

que fazes desta coisa uma farça

de largos risos e poucos gestos.

Quebro a página e deixo toda esta coisa

nas tuas mais doces mãos.

 


(*)Verónica da Costa, escritora portuguesa.


Índice de Versiones 52

Página principal de Versiones