versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
João Fernando Arezes(*)
“Carpe Diem, Castro Henriques!” - Manual de instruções para a construção de um alter-ego literário(**)
As primeiras obras caracterizam-se sempre pela vitória da utopia, da materialização do sonho em publicar algo que é intrínseco ao nosso poder criativo.
Caro leitor, preferi desde logo deter-me mais na observação das personagens a que alude a obra “Carpe Diem, Castro Henriques!”, do que no processo de (des)construção narrativa, ou nos enredos propriamente.
Em “Carpe Diem, Castro Henriques!”, obra primeira de Luís Henrique Pereira há desde logo uma contaminação do protagonista, há como uma transmutação de características pessoais do autor que se transferem para o personagem, conferindo à obra na sua globalidade um estatuto de fusão entre o carácter autobiográfico e a ficção: aqui a intersecção entre o binómio autor-personagem resulta quase sempre maior do que a fronteira entre os dois. Senão vejamos, ambos são filhos únicos, ambos possuem uma a apetência especial para a vida do mundo animal, ambos tratam os amigos mais próximos por “companheiro” e as amigas mais próximas por um afectuoso “minha linda menina”. Ambos se extasiam com os documentários de “Félix Rodríguez de La Fuente ou então no emaranhado encantatório das imagens e narrações de Sir David Attenborough ou de Jacques-Yves Cousteau”, como de resto nos é descrito no princípio de “Carpe Diem, Castro Henriques!”. Se mais similitudes ousássemos perscrutar não seria por certo tarefa insana, de resto, ambos saem à Sexta-feira para ir beber uns copos (de Mercedes), ambos adoram lugares como o Douro Internacional e Caminha.
Esta solvência entre o autor e a personagem é sem margem para dúvidas a matriz referencial de “Carpe Diem, Castro Henriques!”. A personagem do protagonista está em permanente construção desde o início, a J. Castro Henriques, Professor Catedrático na Universidade de Salamanca, são atribuídas as inquietações, virtudes e circunstanciais imprevisibilidades dignas do epíteto de alter-ego do autor. Aspecto curioso são também as personagens que gravitam em torno de Castro Henriques, sobretudo as masculinas, os amigos Jean-François Bernard, Xavier e Miguel Ángel que a espaços escutamos na gesta criativa do autor, através de devaneios verbais mais atinentes à realidade do que à ficção. Luís Henrique Pereira decidiu incluir estes “bons fantasmas” com que amiúde nos brinda no convívio entre amigos (tal e qual Castro Henriques) na génese literária a que este livro dá corpo. Talvez já só necessite de plantar árvore para almejar a trilogia, uma vez que esta obra também já é há muito um filho muito desejado. Deixa-lhes a todos, com dose de generosidade que não atribui a si próprio, o condão de serem biólogos (algo a que o autor sempre ambicionou para si, mas que se transformou num desejo mutilado de que a matemática foi a inteira responsável, como sobejas vezes confessa).
Quanto a Kelly, a “amiga”, advogada e Professora de Direito e Ciência Política, encarna o mal, sobretudo a inveja, a ambição desmedida e a vingança, no fundo os pecados mortais que assolam o mundo actual e à qual o autor incumbe de funções para estabelecer o contraponto ao que assume no início: “Castro Henriques era um homem bom e isso às vezes é pior que nos pode acontecer ou o pior que podem dizer e pensar de nós, num mundo cada vez mais recheado de hipocrisia e egoísmo crescente”. Eis-nos em plena pista para o desfecho que como compreenderão não ousarei revelar.
Considero tratar-se de uma obra despretensiosa, perene de voluntarismo literário, sem preocupações de rigor formal e de linearidade de fio condutor narrativo.
Importante pelo que nos deixa ler, incomensuravelmente mais importante pelo que deixa por ler: esquisso para novas (des)venturas de Castro Henriques e renovadas incursões literárias de Luís Henrique Pereira. É uma obra em que “o sonho tem asas” de divagação altaneira, tal e qual a das aves de rapina que tanto fascinam o autor.
João Fernando Arezes,
Vila Nova de Gaia, 6 de Janeiro de 2004
(*)João Fernando Arezes, comunicador português.
(**)Livro publicado pela Editorial 100.