versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Âlburneo(*)
A macaca e outros poemas de
"A Primeira Pedra"
A macaca
Tenho-te comigo a brincar
dentro dos olhos aquela
macaca que salta. Tenho
o perigo que se antevê na
esquina escura onde vigiam
os roedores da bruma.
E é comigo que tenho o lamento
de não ser hoje o dia, o
luminoso momento em que
saltas da macaca para a
minha mão estendida e
ficas para sempre como uma
poeira de luz presa ao olhar.
Tenho-te comigo a brincar
dentro dos olhos quadrados
da macaca que atira a
pedra e salta sobre o perigo
de ver-te comigo – a treva
angulosa da esquina de onde se
vê o lado da rua onde há
o estranho pássaro desenhado pela
macaca.
E atiro-me de encontro
à luz que te ilumina no salto e,
suspenso
do mundo, engulo o
sorriso que te daria
com o olhar.
A palavra
A palavra que é brisa
de tragédia, que ri
pelos cantos da casa do mundo.
Essa filha desgovernada que
atirei de encontro aos telhados do fundo.
A criança homem da janela
O fragmento de céu tomou sobre
a janela aquela cor que
eu vira no que sobrou da
visão do homem alto a fugir
da chuva. A criança do
homem foi por instantes o brilho
da luz sobre a água do mar
onde se apoiou o fragmento
de céu. E assim
a tarde ficou num quadro,aberta
para sempre à claridade desse
meu olhar intruso e
toda a gente passou a visitá-la
aos domingos, depois da
canalha ter passeado
no shopping.
Mas eu, o estóico a apodrecer na
macieira, mantive-me agarrado
à cor da criança homem, a
esse confronto de humanidades que
num repente vi passar.
Depois a sombra de céu bateu
na água que se via e a
janela encheu-se da luz estranha
que nesses dias costuma sobrar da sombra.
Os olhos pararam na imagem
que ficou, gelados, presos por dentro
ao absurdo significado dessa pretensa e
desconhecida alegria. E a rapariga passou a
fazer barulho com os sapatos na madeira e a
comer um rebuçado.
Sorriu e foi. E o ar que
deixou no ir é um pouco daquela
janela por vir onde o
barulho do céu em silêncio me
empurra sempre para a ideia
de água. Passada pela luz
que fará dela janela.
Vigia presa ao barulho dos tacões no
soalho, colada ao sorriso largo e,
quem sabe, cheio de olhos em
paixões futuras.
O homem alpendre ficou
por minutos sozinho em
frente à laranjeira onde
havia duas ou três laranjas em
sobressalto. Soltou do bolso
a pedra redonda da praia.
Elevou-a no ar frio exterior ao muito
íntimo mundo da algibeira
e soltou-a, com um pequeno impulso,
ao nível dos olhos.
A pedra, redonda e muito mineral
dentro do sossego de pedra, misturou-se
por instantes infinitesimais com
as laranjas suas primas e o
homem alpendre quase jurou que
as ouviu falarem-se, matarem
no alef que sobrou a saudade impossível
de quem não se via há muito.
O prédio alto oscila entre o
totem e a nuvem. O vai e
vem do ar à roda do templo
que sobra faz ritmo com o
coração que pára.
O prédio alto oscila dentro
das janelas e do totem que fica
nasce várias vezes a lida do
pó, a revolta dos animais
domésticos, o esgar da mulher
na batida de uma ausência que
vai espelhar-se ainda na nuvem.
À roda do pássaro dentro da
gaiola de vento respira o pêndulo
dessa agonia sem tempo
e no intervalo de amor que resta do
insano movimento há papéis
à solta no ar, autocarros repletos
de visões futuras, artérias roxas
onde corre o minúsculo deus
em epitáfio: o deus
prédio que dentro da alma em
sofreguidão se faz árvore
e finalmente atinge o
céu.
(*)Alburneo, poeta e designer portuguès. Mora em Oliveira do Douro. Publicou A Primeira Pedra pela Editorial 100, Abril, 2004