versiones, versiones y versiones...renovar la aventura de compartir la vida con textos, imágenes y sonidosDirector, editor y operador: Diego Martínez Lora    Número 54 - Febrero - Marzo 2004


Filipa Rodrigues(*)

Gastos Sentidos e Simples truques


Gastos sentidos

 

Quem mais, senão tu

calcorreará os penhascos agrestes

da praia visitada em sonhos?

 

O raio inútil

de luz que ofusca

quem ousa levantar a voz.

O atrevimento brutal

de cara levantada

que estilhaça a passagem leve da pele.

 

Chove papel

numa manhã de cristal

não devo

não posso

não quero mergulhar

nesta lassidão

que enlaça os sentidos gastos.

 

Quem mais, senão tu

atravessará as montanhas azuis

da terra procurada em sonhos?

 

O vento absorto

de vidro que corta

a frescura plena e sem mácula.

O uivo inquieto

de entrada intemporal

que perscruta o sopro perpetuado.

 

 

Chove papel

numa tarde de mármore

não devo

não posso

não quero mergulhar

nesta lassidão

que enlaça os sentidos gastos.

 

Quem mais, senão tu

caminhará pelos degraus intermináveis

da casa habitada num pesadelo?

 

O gelo afiado

de água que verte

a transparência fugaz e regular.

O leito amainado

de altura extensa

que estraçalha as pedras flutuantes.

 

Chove papel

numa noite de carvão

não devo

não posso

não quero mergulhar

nesta lassidão

que enlaça os sentidos gastos.

 

Quem mais, senão tu...

Quem mais...


 

Simples truques

 

 

“Dum fumo qualquer, enrolado

nasce um poema

sem tom fixo.

Dum corpo preciso, suado

brota o suco ácido

que mata a dor.

Dum fio de cabelo, dourado

faz-se o limite

que aproxima os amantes.

 

Sorríamos com estes truques

de palavras simples.

Tecíamos o que era proibido

sem notarmos o perigo.

 

E, regressavas sem o teu caderno no bolso...

 

Dum local escuro, enfeitiçado

vê-se o contorno

sempre rígido.

Dum livro aberto, decalcado

saltam as ideias

que equilibram a mágoa.

Dum pedaço de pele, eriçado

constrói-se a barreira

que dilacera os corações.

 

Sorríamos com estes truques

de palavras simples.

Tecíamos o que era proibido

sem notarmos o perigo.

 

E, regressavas sem o teu caderno no bolso...”


(*)Filipa Rodrigues,  escritora portuguesa. Mora em Penafiel.


Índice de Versiones 54

Página principal de Versiones