versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Filipa Rodrigues(*)
Gastos Sentidos e Simples truques
Gastos sentidos
Quem mais, senão tu
calcorreará os penhascos agrestes
da praia visitada em sonhos?
O raio inútil
de luz que ofusca
quem ousa levantar a voz.
O atrevimento brutal
de cara levantada
que estilhaça a passagem leve da pele.
Chove papel
numa manhã de cristal
não devo
não posso
não quero mergulhar
nesta lassidão
que enlaça os sentidos gastos.
Quem mais, senão tu
atravessará as montanhas azuis
da terra procurada em sonhos?
O vento absorto
de vidro que corta
a frescura plena e sem mácula.
O uivo inquieto
de entrada intemporal
que perscruta o sopro perpetuado.
Chove papel
numa tarde de mármore
não devo
não posso
não quero mergulhar
nesta lassidão
que enlaça os sentidos gastos.
Quem mais, senão tu
caminhará pelos degraus intermináveis
da casa habitada num pesadelo?
O gelo afiado
de água que verte
a transparência fugaz e regular.
O leito amainado
de altura extensa
que estraçalha as pedras flutuantes.
Chove papel
numa noite de carvão
não devo
não posso
não quero mergulhar
nesta lassidão
que enlaça os sentidos gastos.
Quem mais, senão tu...
Quem mais...
Simples truques
“Dum fumo qualquer, enrolado
nasce um poema
sem tom fixo.
Dum corpo preciso, suado
brota o suco ácido
que mata a dor.
Dum fio de cabelo, dourado
faz-se o limite
que aproxima os amantes.
Sorríamos com estes truques
de palavras simples.
Tecíamos o que era proibido
sem notarmos o perigo.
E, regressavas sem o teu caderno no bolso...
Dum local escuro, enfeitiçado
vê-se o contorno
sempre rígido.
Dum livro aberto, decalcado
saltam as ideias
que equilibram a mágoa.
Dum pedaço de pele, eriçado
constrói-se a barreira
que dilacera os corações.
Sorríamos com estes truques
de palavras simples.
Tecíamos o que era proibido
sem notarmos o perigo.
E, regressavas sem o teu caderno no bolso...”
(*)Filipa Rodrigues, escritora portuguesa. Mora em Penafiel.