versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
Eduardinha(*):
4 poemas de Traços de uma vida contínua
XXXIII
Talvez que teus olhos se molhem um dia,
Talvez que teus lábios se mordam de dor,
Talvez mesmo seja tão grande a tristeza,
Que nem um olhar me dês meu amor.
Mas…tudo será um breve momento,
E…tudo será um sonho sem cor.
Serei para ti repouso e ternura,
Afago contínuo à tua amargura.
Minha mão fará o que já em tempos,
Em tempos felizes fez em tua face,
E…meus beijos ternos, quase imperceptíveis,
Pousarão em bandos sobre os teus cabelos.
E…ao veres o belo, meu fiel amor,
Erguerás os olhos molhados pela dor,
E…num beijo eterno guardarás então,
O teu sofrimento no meu coração…
XXXVIII
Não sei se o chorar copioso é pecado,
Quando a morte nos obriga a abalar
Deixando à sombra o nosso outro lado,
Sombra… que para nós deixa de assomar…
As lágrimas, que se soltam sem parar,
Como pérolas de um colar quebrado,
São focos da luz, que vai iluminar
Na sombra, um repouso doce, embalado.
Caíram minhas lágrimas sobre a fronha,
Onde meu rosto descansa gracioso,
Ao libertar seu pesar enclausurado.
Não me troques por essa sombra risonha,
Onde se prevê um viver glorioso…
Não vás até que eu morra! Fica a meu lado!
XL
Curvei-me e levantei os seixos, do leito seco do rio,
que me olhavam com calor mas, estremeciam de frio.
Atirei-os para o longe, para o coração da folhagem,
que engrandecia a areia e coloria a paisagem.
Mas as folhas já pendentes, de uma árvore secular,
acolheram, no seu seio, os seixos que vinham no ar.
Debruçaram-se sobre o leito e deitaram sobre a areia
os seixos do rio seco, como seios de sereia.
Vendo tão nobre carinho por parte da natureza,
ergui-os nas mãos de mansinho, torneei-os de pureza.
Embalei os seixos tristes e numa caixinha os guardei
como pedras preciosas, da coroa de algum rei…
Pressenti um núcleo de ouro, tentando deles brotar,
fiz, das partículas de amor, um longo e belo colar.
Senti seu frio queimar, ao toque, meu jovem peito,
com carinho, gratidão e veemente respeito.
Os seixos secos do rio, já não são frios de amor,
são seios de casta sereia, na mente de um sonhador!
XLVI
Sentada na areia branca, molhada,
Olhando o pôr-do-sol alaranjado,
Senti tua mão fria, delicada,
Tocar meu ombro nu, já bronzeado.
Voltei minha face, para ti, sorrindo
Ao sentir, no teu tocar, uma carícia,
Que fez do pôr-do-sol, por si tão lindo,
O pálido nascer da lua uma delícia…
O mar já reflectia a luz prateada
E no céu se escondia o quente dourado
Quando, deleitados na areia encantada,
Trocamos um beijo, num abraço apertado!
E as ondas do mar foram invadindo…
Os corpos sedentos de um amor sonhado
E mesmo sabendo ser um sonho infindo,
Deixamos nosso amor… morrer afogado!
LXVII
Vestiu o casaco comprido da saudade,
Encobrindo a nudez que o congela,
Calçou as simples meias da verdade
Ocultando o pudor que se revela.
Vestido e calçado por parco agasalho,
Espreita procurando pela vidraça
Vislumbrar, no reflexo do orvalho,
O futuro, o amanhã, a seiva já escassa.
O vigor que em si já existiu,
Corre gota a gota, agora sem graça,
Procura resistir a tudo que omitiu,
Para não cair de novo em desgraça.
Olha o além, a obra construída,
Sente o valor de todo o seu esforço,
Pode desde já despedir-se desta vida,
E descansar para sempre, sem remorso.
E num simples fechar de olhos vê subirem
Ao céu sem fim, que pensava ser azul,
As imagens que do orvalho viu surgirem
E na vidraça se esvaíram como tule.
Da obra construída só pedras já restam,
Mas no empedrado da praça principal
Jazem as insignes lajes, que molestam
Os que do céu dos outros, realçam só o mal!
(*)Eduardinha, escritora e médica portuguesa. Reside actualmente em Miramar, Vila Nova de Gaia. Publicou pela Editorial 100: Um pouco de Mim para Ti (2004) e Traços de uma vida contínua (2005).