versiones, versiones y versiones...Director, editor y operador: Diego Martínez Lora
José Pereira da Graça(*)
25 de Abril -
Porta para a Liberdade
Na manhã de 25 de Abril, de 1974, obedecendo à rotina, as pessoas foram-se preparando para sair de casa e retomar o trabalho diário. Os aparelhos de rádio, à medida que iam sendo ligados, captavam a atenção ao informarem que um movimento de forças armadas estava na rua. Tanques e outros carros pesados haviam saído de Santarém e ocupavam o Terreiro do Paço. A ansiedade instalou-se e a especulação varreu o País de norte a sul. Seria uma reedição do golpe de 11 de Março anterior, então falhado? Provavelmente uma atitude militarista destinada a reforçar a linha dura do Governo?
O dia já ia avançado quando se percebeu que os militares pretendiam derrubar a velha ditadura salazarista, então personalizada na linha marcelista, continuadora, no essencial, da matriz instalada havia quase cinco décadas. Uma onda avassaladora de inesperada alegria sacudiu o enfezado País. Subitamente abriu-se uma larga porta para a liberdade expressiva de pensamento.
A barreira política tombou espectacularmente ao sopro dos cravos vermelhos metidos nos canos das espingardas, reedição das hortênsias azuis oferecidas pelos portuenses aos soldados liberais, no século XIX, ao entrarem nas ruas da Cidade.
A liberdade de expressão de pensamento ganhou alforria e pôde exercer-se e instalar-se confortavelmente nos mais díspares meios de comunicação.
E a liberdade de pensamento? A essa que lhe aconteceu, que lhe acontece?
O mesmo de sempre: existe ou inexiste. A existência pressupõe, em primeiro lugar, génese criativa longa e madura, alimentada por inteligência ágil. Isto envolve a capacidade “de inscrever, de registar para dar consistência ao que tende incessantemente a desvanecer-se”, conforme afirma o emergente pensador português, José Gil in Portugal, Hoje – O Medo de Existir. O fenómeno da inscrição reflecte a influência dos acontecimentos, filtrados pela inteligência, no comportamento racional do indivíduo.
A capacidade de inscrição e a consequente acção pressupõem pureza no exercício do raciocínio, isto é, ausência de preconceitos determinantes de resistências espessas e inultrapassáveis. É o que acontece com a instalação precoce de reacções psicológicas a tudo o que extravasa arquétipos pro(im)postos por instituições nisso interessadas.
Nesta perspectiva, lá se vai a liberdade de pensamento... E as amarras são, então, para muitos, inquebráveis. Sê-lo-ão definitivamente se inexistir liberdade de expressão. Esta acaba por criar poderoso antídoto debelador das tais reacções psicológicas.
Por serem detentores de liberdade de pensamento, a Humanidade frui, actualmente, do produto da actividade de homens como Einstein e Beethoven. As suas memórias são assinaladas no ano corrente e, por isso, vem a propósito a invocação dos seus nomes, hic et nunc, na VERSIONES.
Graças à liberdade do seu pensamento, Einstein pôde avançar com a relação entre energia, massa e velocidade (E = MC2) e afirmar a relatividade de valores até então julgados invariáveis, como a massa e o tempo. Estes dados, por influência da velocidade, acabam por ser relativos. Logo os fautores de doutrinas “absolutas” reagiram temendo a relativização dos seus valores. O pensamento do cientista, porém, manteve a sua liberdade.
Também Beethoven produziu a sua obra no sentido em que a liberdade de pensamento o determinou, enterrando o seu chapéu até às orelhas, enquanto outros o tiravam à passagem de poderosos que o eram pela simples circunstancia de nascimento privilegiado. Livre no seu pensamento, riscou a dedicatória a Napoleão quando percebeu o resvalamento imperial. A sua música aí está envolvendo o mundo com força que não esmorece.
Em suma: como diz a canção coimbrã “não há machado que corte a raiz ao pensamento”. Pressupõe-se, obviamente, que existe raiz...
V. N. De Gaia, 25 - IV - 05
(*)José Pereira da Graça, escritor português. Mora actualmente em Vila Nova de Gaia. Autor de um excelente romance: Os "cruzados" da serra entre outros livros sobre diversos assuntos. Publicou pela Editorial 100: Maria do Mar - Viagens & Mitos