História de Mamborê - Vilson Olipa

I PARTE - HISTÓRIA

O INÍCIO

 

MAMBORÊ ESPANHOL

             A terra onde se localiza o atual Município de Mamborê já foi território espanhol. Isto, na época em que vigorava o Tratado de Tordesilhas (séc. XVII e XVIII). De acordo com este Tratado, somente a parte leste do Estado do Paraná pertencia aos portugueses.  

PROVÍNCIA DE GUAIRÁ

             O espanhol Álvar Nuñez Cabeza de Vaca, nascido pouco antes de 1500, fez uma grande expedição, partindo com seus homens do litoral, atualmente pertencente ao Estado de Santa Catarina, em 18 de outubro de 1541, passando pelo Estado do Paraná. Cabeza de Vaca utilizou parte do Caminho de Peabiru e chegou a Assunção, em 11 de março de 1542, onde se declarou governador. Esta expedição aconteceu em 1541.

             Cabeza de Vaca foi sucedido por Martinez Irala e, a partir daí, começou a enviar seus homens na direção leste, os quais fundavam povoados.

             Toda esta região passou a ser chamada de Província de Guairá e localizava-se entre os rios Paranapanema, Pananá, Piquiri e Tibagi. Ao sul, o limite não era exatamente o rio Piquiri; alguns povoados ficavam um pouco além do mesmo.

             Estas aglomerações de pessoas na Província de Guairá eram chamadas Reduções Jesuíticas ou Missões, pois eram os padres jesuítas que lideravam as mesmas. As Reduções eram centros de conversão religiosa, de produção agropecuária, de comércio e manufaturas. Ao mesmo tempo evitavam a expansão portuguesa na região.

             O significado da palavra “guairá” é, em guarani, “terra de gente jovem” e, em tupi, “terra intransponível”. Não se sabe ao certo, mas Guairá pode ter sido um cacique que habitou às margens do rio Paraná, na região das Sete Quedas, cobertas pelas águas da represa da hidrelétrica de Itaipu.

             Entre as várias Reduções, citamos a Vila Rica do Espírito Santo, localizada no atual Município de Fênix, onde as ruínas ainda são preservadas.

             No período de 1607 a 1631, as Reduções foram destruídas por bandeirantes paulistas que queriam transformar os índios em escravos.  

E O PEABIRU?

             Falamos um pouco do Caminho de Peabiru. Trata-se de uma passagem, com 1,4 m de largura, mais ou menos, que saía do litoral do Estado de São Paulo, passando pelos atuais Municípios paranaenses de Reserva, Pitanga e Palmital, entre outros e seguia às margens do Rio Piquiri até a cidade de Guaira. Após,  seguia na direção do Oceano Pacífico, alcançando o mesmo através da Bolívia ou Peru.

             O Caminho de Peabiru tinha uma extensão de aproximadamente 3.000 quilômetros e já existia no século V, ou seja, antes da vinda dos portugueses ao Brasil, em 1500.

             Além deste tronco principal, havia ramificações do Caminho e uma passava pela região de Campo Mourão. Há dúvidas quanto ao traçado exato desta ramificação, mas apresentamos uma seqüência de municípios, que existem atualmente, pelos quais o Caminho provavelmente tenha passado: Engenheiro Beltrão, Peabiru, Campo Mourão, Luiziana, Mamborê, Nova Cantu, Campina da Lagoa e Ubiratã.

             Desta forma podemos dizer que, de acordo com os indícios, há muitos séculos pessoas circulavam por terras mamboreenses, com os mais diferentes objetivos:  nativos, extraindo o necessário para a subsistência; padres jesuítas espanhóis, aglomerando o povo em reduções, para educá-los no sistema dos brancos; aventureiros passando pelo Caminho de Peabiru em busca de riqueza, visto que  o mesmo dava acesso ao poderoso império dos Incas, no Peru.

DESMEMBRAMENTOS

             As disputas sempre aconteciam, sendo portugueses ao leste e espanhóis ao oeste. As fronteiras do Brasil, o país que nasceria em 1822, começaram a ser traçadas, graças ao trabalho de Alexandre Gusmão, um ministro a serviço do reino de Portugal. As negociações de Gusmão culminaram na assinatura do Tratado de Madrid em 1750. Assim, o mapa do Brasil passou a ser praticamente o mesmo que temos hoje, no que se refere a limites internacionais. Contudo, ainda era colônia de Portugal.

             Toda a região onde se localizava a Província do Guairá passou a pertencer aos portugueses. Este território estava na Província de São Paulo.

             A Província do Paraná foi criada em 1853.

             Quanto aos desmembramentos dentro da Província do Paraná, em 29/07/1648 uma Carta Régia declarava a criação de Paranaguá. Assim, a área onde um dia seria Mamborê, pertencia a Paranaguá.

             A criação de Curitiba deu-se em 29/03/1693 e o desmembramento do Município de Castro em 24/09/1788.

             Em 17/07/1852 era criado o Município de Guarapuava, contando com uma área de 54.540 km². Para termos uma idéia do tamanho deste município, basta imaginarmos um quarto do atual território paranaense.

             Deste, surgiu Pitanga em 30/12/1943. Há casos de pessoas que nasceram em Mamborê em 1945, por exemplo, e têm constados em seus documentos que nasceram em Pitanga.

             Em 10/10/1947 foi criado o Município de Campo Mourão e, em 28/07/1960, o Município de Mamborê.

PRIMEIROS EXPLORADORES

             As primeiras intervenções de exploradores na região só aconteceram por volta de 1918. Paraguaios e argentinos, trabalhando para companhias, chegavam até esta  localidade em busca da erva-mate (nome científico, Ilex paraguayensis).

             A maior reserva florestal do Estado ficava na região de Porto Mendes, Cascavel e Campo Mourão. Os aventureiros adentravam a mata através de precários caminhos, denominados “picadas”. Estas eram abertas por eles mesmos, por caçadores ou por índios.

             Na região de Guarapuava e Laranjeiras havia a Companhia Mate Laranjeira, enquanto que na região de Alto Paraná, Porto Mendes, Porto Allica, quem explorava a erva-mate era a Companhia Allica. Esta instalava acampamentos na direção do Rio Piquiri e além deste, chegando até a região de Campo Mourão.

             O argentino Dom Júlio Thomas Allica, proprietário da companhia,  foi o principal explorador e exportador de erva-mate da região.

             A mão-de-obra nos ervais era paga com baixos salários, apesar da companhia Allica ser rica. Os trabalhadores, na maioria paraguaios, eram chamados “mensus”, pois recebiam seus minguados salários por mês. Nos casos de fuga, os trabalhadores eram punidos pelo carrasco Santa Cruz, que era cunhado e capataz de Allica.

            O império de Júlio Allica se estendeu por quase todo o oeste paranaense. Possuía mais de 900 “mensus” trabalhando para ele, além de centenas de animais e infra-estrutura para a extração de erva.

ACAMPAMENTOS

           Com o trabalho das companhias na região, vários acampamentos surgiram. Destacaram-se: Memória, Lupái (ou Lopei), Boicai, Central Santa Cruz e Porto Piquiri. Do outro lado do Rio Piquiri surgiram acampamentos como Ronquita, Catatumba de Folhas, Inhampecê, Pensamento, Don Canuto, Sununu e Natividad. O último recebeu este nome devido a terem chegado no lugar no dia de Natal, que em castelhano é “Navidad”.

             Natividad era o principal povoado, onde havia armazéns e um número maior de ranchos. A partir dele, saíam picadas na direção de outros acampamentos e para a extração da erva-mate.

             O acampamento Natividad localizava-se na atual Praça das Flores.

             A maioria dos trabalhadores da companhia Allica eram paraguaios e, o restante, argentinos.  

O MASSACRE 

            A localidade conhecida atualmente como Campina do Amoral, na época era chamada de Tapera de Sinhá Ana Coita (nome de uma senhora que residia no local).  Havia uma picada de Natividad a esse lugar e, a partir daí, era possível seguir para Pitanga ou para Campo Mourão.

             Os sofredores da erva-mate, tendo maior contato com moradores de Campo Mourão que vinham a Natividad vender seus produtos, tomaram conhecimento da existência do caminho via Tapera de Sinhá Ana Coita. Devido aos maus tratos e a situação de miséria que viviam, decidiram fugir. Após se organizarem, foram até Tapera de Sinhá Ana Coita. Alguns fugiram na direção de Campo Mourão e não foram alcançados pela patrulha do carrasco Santa Cruz; a minoria, apenas dois ou três, seguiram para Pitanga e não tiveram a mesma sorte. Foram massacrados pelos homens leais ao cruel Santa Cruz.

             O lugar das mortes ficou conhecido como “Las Cruces” (em castelhano, “As Cruzes”).  Os corpos ficaram abandonados e só foram sepultados quando brasileiros os encontraram.  

UM NOVO NOME

             Natividad ficou um período abandonado. A notícia da maneira como os trabalhadores desta companhia eram tratados e também do massacre, correu a região.

             Com o trabalho do capataz Santa Cruz na busca de operários para o trabalho, percorrendo os portos de Alto Paraná e fazendo promessas que não seriam cumpridas e até usando a violência, o acampamento foi ativado novamente.

             Dom Júlio Allica,  trocou o nome para “Haamam-Amburê”. Na língua guarani “Haamam” significa “lugar distante” e “Amburê”, “reunião de pessoas”. Há controvérsias quanto a grafia da palavra na língua de origem, podendo também ser “Anmã Amburê”, significando “Muito Longe”. Há ainda uma terceira hipótese da origem ser, no guarani, “Amahâmborê” e significar “Juntação de Gente”, devido ao capataz de Dom Júlio Allica ter “juntado” trabalhadores às margens do rio Paraná para repovoar a antiga Natividad. Entre estas, a primeira hipótese é a mais aceita como verdadeira.  

ALLICA ABANDONA

             Acontece a Revolução de 1924. As tropas legalistas de Arthur Bernardes se defrontam com as tropas de resistência, comandadas pelo general Izidro Dias Lopes e pelo tenente João Cabanas.

             Uma das batalhas acontece na serra dos Medeiros, entre Cascavel e Laranjeiras do Sul e as tropas de resistência são derrotadas. O tenente Cabanas e seus homens, após a derrota, fogem pelos acampamentos Central Santa Cruz, Pensamento e Haamam Amburê, objetivando chegar a Campo Mourão e, depois, seguir para Mato Grosso através da estrada do Camargo, ou estrada Boiadeira.

             O plano fracassa quando, antes de chegarem em Campo Mourão, são surpreendidos pelas forças do governo, que os cercam pela estrada de Pitanga.

             O tenente Cabanas retorna a Haamam Amburê e segue para o Paraguai, via Foz do Iguaçu. Com ele foram os paraguaios e argentinos que viviam nos acampamentos. Estes aproveitaram a oportunidade para fugir dos maus tratos e baixos salários que recebiam, trabalhando para Dom Júlio Allica. Na fuga, destruíram pontes e afundaram balsas para evitar qualquer perseguição por parte das forças legalistas.

            Ferramentas, ranchos, depósitos com erva-mate ficaram abandonados. Após vários anos de exploração, Dom Júlio Allica deixa a região tão rica em erva-mate. Os vestígios destes na área do Município de Mamborê são grandes. Até bem recente, encontravam-se munições e armas, bem como buracos na terra em vários lugares. Na região do Gavião, até poucos anos, havia sinais da existência de um “carijo” para o processamento da erva-mate.

            O império de Allica entra em decadência devido à revolução e também devido ao assassinato de Santa Cruz, na região de Quatro Pontes.

 
 
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