A utopia da ignorância

Que FHC herdou da incompetência

Artigo do jornalista Hélio Fernandes, publicado no jornal Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 28 de outubro de 2000

Como um pequeno demônio em férias, o Sr. Roberto Campos, que se auto-intitula um dos maiores intelectuais do país, reapareceu ontem nas páginas da bíblia do neoliberal reacionarismo nacional para intimidar o clero a abandonar as posições que vem assumindo em defesa das liberdades e de combate às limitações sociais que aprofundam a miséria e semeiam rebeliões.

O ex-coroinha que se diz doutor, no seu esforço para posar de autoridade do laicato, convida os prelados brasileiros a retornar ao conformismo que juntou a Igreja aos poderosos e durante séculos a empurrou para longe dos seus rebanhos. Condena "o furor dos cristãos novos do desenvolvimento", numa crítica evidente à maioria dos dignatários da Igreja que, no Brasil, procuram aplicar as decisões do Concílio Vaticano II e levar aos milhões de fiéis sob a sua liderança a mensagem renovadora de Paulo VI.

O sr. Roberto Campos, que volta a insistir em que ao povo cabe o sacrifício na desaceleração do empobrecimento nacional, teve o cuidado de, no seu longo atentado ao jornalismo, não citar sequer uma vez João XXIII ou Paulo VI, e só lembrar Leão XIII como responsável pela recondução da Igreja à vanguarda dos movimentos reivindicatórios de massas e povos.

Como um homem que vendeu sua alma, o ex-ministro do Planejamento, cuja atuação na vida pública brasileira é o avesso do exemplo de Thomas Moore, silenciou enquanto a Igreja se manteve afastada do processo político brasileiro, precisamente porque o clero se mostrava, pela omissão, um aliado do poder econômico. Quando esta posição se inverte e a hierarquia católica volta a participar das lutas dos povos pela auto-afirmação, o sr. Roberto Campos se atravessa no caminho dos pastores.

* * *

O senhor Roberto Campos mais uma vez exibe o seu tecnicismo estéril para acusar os padres de não entender de economia. Com isso tenta desautorizar a inteligência católica, cuja contribuição ao desenvolvimento cultural e técnico tem sido marcante em todo o mundo, deformando-a perante a opinião pública, como se a Igreja fosse um clube de industriais de preces.

Esquece-se o ex-coroinha que foram precisamente dos mosteiros e universidades católicas que saíram algumas das maiores expressões do conhecimento técnico, do qual o próprio sr. Roberto Campos foi grande beneficiário, sendo mesmo um produto, deformado embora, da pedagogia católica.

Mas o que faz o sr. Roberto Campos sair de trás das caixas registradoras para atacar a Igreja pela imprensa é o medo que o assalta ao medir a nova força colocada a serviço do desenvolvimento. Uma força que certamente esteve, em muitos momentos da História, a serviço do poder econômico, mas cuja presença foi decisiva em muitos acontecimentos que modificaram o próprio curso da História.

Posta a serviço de uma nação que tenta escapar ao guante do subdesenvolvimento, a ascendência da Igreja sobre as massas poderá ser decisiva na superação dos entraves que nos aprisionam, muitos dos quais foram criados pelos sábios de gabinete, dos quais o sr. Roberto Campos era o papa e protótipo. Cego na estreiteza do seu estigmatismo político, o ex-ministro não enxerga a universalidade dessa tomada de posição que opõe a Igreja aos poderosos, no Brasil, como na Espanha e na Polônia.

E certamente não descobrirá que o próprio presidente Costa e Silva admitiu a justeza da atitude do clero, ao falar ontem na Escola Superior de Guerra, quando fez suas as palavras de Paulo VI, de que "o desenvolvimento é o novo nome da paz". Com o desassossego dos que estão em luta com a humanidade, o sr. Roberto Campos certamente dirá que o presidente, como o papa, também não entende de economia e, por isso, não pode falar de desenvolvimento. Nem como saída para a paz.

De Hood Robin a Robin Hood?

Artigo do jornalista Carlos Chagas, publicado no jornal Tribuna da Imprensa em 28 de outubro de 2000

BRASILIA - O Brasil inteiro sofre, desde o governo Fernando Collor, as conseqüências de ter participado da destruição da Floresta de Sherwood. Da Floresta de Sherwood? O que temos nós com aquela região inglesa que a literatura e o cinema consagraram? Temos tudo.

Porque até 1990 tentávamos seguir os ensinamentos do Robin Hood, aquele que tirava dos ricos para dar aos pobres e até sustentou algumas teses como a da "Teoria da Dependência". Pelo menos, era essa a diretriz teórica implantada no Brasil pelo presidente Getúlio Vargas desde 1930, através dos direitos sociais.

Com a globalização, o próprio Robin Hood, coitado, virou pelo avesso, transformando-se no Hood Robin, aquele que passou a tirar dos pobres para dar aos ricos. Todas as facilidades foram dadas ao capital internacional, aos especuladores e a quantos imaginavam ser nosso país um grande pernil, do qual tiravam e ainda tiram lascas cada vez maiores e mais gordurosas de presunto.

Como a recíproca também foi verdadeira - o Hood Robin surrupiou do trabalhador montes de direitos sociais, sob a capa da "flexibilização" - nada mais do que um engodo dos poderosos para permanecer explorando os menos favorecidos. Em suma, o nosso Robin Hood mulatinho ajudou a destruir a Floresta de Sherwood, invertendo nome e sobrenome.

Macheza no exterior

Pois não é que agora, como sempre lá do estrangeiro, na pele de presidente, o complicado personagem volta a surpreender todo mundo e se apresenta de novo como Robin Hood? Porque para arcar com as despesas de um salário mínimo apenas um pouquinho menos ridículo do que os R$ 159 impostos por sua equipe econômica, FHC aceitou as sugestões do secretário da Receita Federal, promovendo mudanças no imposto de renda.

Os recursos suplementares sairiam do fim de incentivos e isenções que beneficiam os ricos. Resumindo: os que ganham mais pagarão mais. Não deixa de ser até cômico, se não fosse trágico, o chefe do governo reconhecer que vinha sendo assim há muito, isto é, que os ricos valiam-se de uma série de malandragens para pagar menos imposto de renda, sob a alegação globalizante de que só riqueza produz riqueza.
Será mesmo para valer essa metamorfose presidencial?

Estaremos de novo retornando àquela Floresta de Sherwood dos tempos da infância e da juventude, povoada pelo frei Tuck, pelo João Grandão e, do lado de lá, pelo infame sherife de Nottinghan?

Não dá para levar a sério

Será bom esperar para ver, mas formulando algumas questões básicas. De que maneira a equipe econômica terá recebido a proposta oficializada por Fernando Henrique? Melhor dizendo, qual a reação dos verdadeiros mestres de Pedro Malan e companhia, o FMI, o Banco Mundial, os parceiros do consenso de Washington, George Soros, as multinacionais e até o rei João Sem Terra?

De bom grado não terá sido, porque essa história de tirar dos ricos para dar aos pobres contraria toda a estratégia globalizante. Ainda há dias, a quadrilha conseguiu emplacar para os especuladores internacionais a isenção do imposto sobre o cheque em suas aplicações nas bolsas de valores brasileiras. Uma virada súbita e profunda como a que propôs Everardo Maciel, uma espécie de rei

Ricardo Coração de Leão, terá causado que tipo de sentimentos naqueles que dominam a economia mundial e, em conseqüência, nacional?

Irão o ministro da Fazenda, o ministro do Planejamento, o presidente do Banco Central e penduricalhos pedir demissão? Ou conseguirão, como têm conseguido até agora, conter bissextos arroubos do Hood Robin, perdão, do presidente da República, quando S. Exa. lembra trechos de páginas que escreveu no passado?

Boas notícias são como decisões do Judiciário: não se discutem. Aceitam-se. Essa possibilidade de voltarmos a cultuar o Robin Hood e de contribuirmos para o reflorestamento da arrasada Floresta de Sherwood não deixa de ser promissor. Tanto faz se nos últimos anos ele tenha aderido ao Sherife de Nottinghan. Antes tarde do que nunca. Apesar de tudo, é melhor fazer como São Tomé. Vamos ver primeiro para acreditar depois...

O governo do presidente Fernando Henrique desagrada à grande maioria do eleitorado, menos pela confirmação mostrada em pesquisas fajutas e distorcidas, mais pela simples observação do que se passa no País. Multiplicou-se a exclusão social, cresceu o desemprego, aumentou a miséria e, mais do que tudo, floresceu a desesperança. Fica para outro dia examinar porque isso aconteceu, ou seja, se foi apenas por conta do modelo econômico globalizado que ele adotou.

Importa menos, hoje, registrar que o governo atual preocupou-se muito mais com o andar de cima, ao qual atendeu em todas as reivindicações, descuidando-se dos andares inferiores e, em especial, do porão, apesar de amplamente majoritários.

Na ânsia de buscar uma modernidade que não levaria a todos os benefícios da civilização e da cultura, S. Exa. meteu-se num gargalo entupido. Imaginou que do outro lado estaria o saca-rolhas dos ricos e poderosos, prontos para receber o Brasil como um deles. Frustrou-se, com o passar dos anos, bissextamente dando voz à sua frustração, em especial no exterior.

Comentários do Jornalista Cláudio Humberto:

Jogo de cena

Enquanto FHC reclamava na Espanha do reajuste merreca nos salários arrochados do pessoal da Justiça, seu vice Marco Maciel fazia publicar no "Diário Oficial" um decreto aumentando o valor das diárias pagas pelo Erário ao presidente e ministros, em viagens ao exterior. No mesmo ato, Maciel autorizou os ministros a adquirirem - com dinheiro público, claro - passagens de primeira classe, 60% mais caras por causa da mordomia.

Brasileiro? No, thanks

No fundo, no fundo, o governo deve ter algum plano sinistro de estimular os brasileiros a mudarem de nacionalidade. Teria lá as suas vantagens.
O Leão avança no bolso do contribuinte nacional, para reaver - com juros e correção - a CPMF que não foi recolhida graças a ações judiciais, mas ao mesmo tempo, candidamente, isenta do mesmo tributo as aplicações dos estrangeiros nas bolsas de valores. Melhor de ser lá.

 

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